Detalhes escondidos em pinturas
O que grandes pinturas e esculturas têm em comum?
Os Mármores de Elgin ou Mármores do Partenon Grécia |
A coluna de Tarjano por Apolodoro de Damasco 114 |
Essa, pelo menos, é a premissa do meu livro A New Way of Seeing: The History of Art in 57 Works, um estudo que convida os leitores a se reconectar com obras que, de tão familiares, não são mais observadas de forma detida.
Self-Portrait with Thorn Necklace and Hummingbird 1940 |
Tomando como ponto de partida as imagens mais reverenciadas de toda a história da humanidade (da Coluna de Trajano ao quadro American Gothic, dos Mármores de Elgin à Dança, de Matisse), fui buscar o que torna a arte grandiosa — porque algumas obras continuam reverberando no imaginário popular século após século, enquanto a vasta maioria das criações artísticas escapa da nossa consciência quase tão rápido quanto interagimos com elas.
Mona Lisa de Leonardo da Vince 1503 |
Analisando em profundidade essas obras, fiquei surpreso ao descobrir que cada uma contém um toque de estranheza que, uma vez detectado, desbloqueia novas leituras emocionantes e muda para sempre a maneira como interagimos com essas obras-primas.
American Gothic de Grant Wood 1930 |
Dance II de Henri Matisse 1910 |
Tapeçaria de Bayeux c.1077 Artesãs sem identidade
As mulheres esquecidas que, um milênio atrás, bordaram os 70 metros de tecido sobre os quais a Tapeçaria de Bayeux narra os acontecimentos que levaram à Conquista Normanda, não eram apenas costureiras primorosas, mas contadoras de histórias excepcionais.
Tapeçaria de Bayeux c.1077 Artesãs sem identidade |
A flecha que perfura o olho do Rei Harold em uma cena apoteótica perto do final do épico visual é um dispositivo metanarrativo que funciona como a própria agulha com a qual a história foi intrincadamente tecida.
Tapeçaria de Bayeux c.1077 Artesãs sem identidade, detalhe de uma das várias tapeçarias que formam o conjunto |
Ao agarrar a flecha, o ferido Harold confunde sua própria identidade com a do artista e do observador, cujo próprio olho é levado adiante, cena após cena. Com um único ponto, nosso olho, o de Harold e o da agulha da costureira se transformam em um só.
O Nascimento da Vênus de Sandro Botticelli c.1482-1485
Uma espiral de cachos dourados suspensa no ombro direito da deusa na obra-prima renascentista de Sandro Botticelli, O Nascimento de Vênus, funciona como um motor em miniatura no eixo vertical da pintura, impulsionando-a para nossa imaginação.
O Nascimento da Vênus de Sandro Botticelli c.1482-1485 |
Uma curva logarítmica perfeita, não é um ornamento incidental ou acidental do pincel. O mesmo vetor giratório, que pode ser observado no mergulho das aves de rapina e na espiral das conchas de nautilus, hipnotiza pensadores desde a antiguidade.
O Nascimento da Vênus de Sandro Botticelli, detalhe com o cacho em spiral |
O Jardim das Delícias Terrenas de Hieronymus Bosch c.1505-1510
O Jardim das Delícias Terrenas de Hieronymus Bosch c.1505-1510, o tríptico fechado que servia de oratório portátil e com incríveis 220 cm × 389 cm em óleo sobre madeira, dobradiça, ouro e cola. |
O tríptico aberto com o céu, o purgatório e o inferno, que medo e no centro do painel central está o ovo simbolizando a vida em muitas comunidades |
Se fecharmos os painéis laterais do tríptico para revelar o revestimento da obra e o ovóide fantasmagórico de um mundo frágil que Bosch retratou na parte externa — uma orbe translúcida flutuando no éter —, descobrimos que ele concebeu sua pintura como uma espécie de ovo para ser quebrado e permanecer intacto indefinidamente, cada vez que interagimos com a complexidade da obra.
E aqui no centro do painel central está o ovo simbolizando a vida em muitas comunidades. |
Ao abrir e fechar a pintura de Bosch, estabelecemos alternadamente um mundo novo em movimento ou voltamos no tempo para antes da criação, antes da nossa inocência ser perdida.
Moça Com Brinco de Pérola de Johannes Vermeer c.1665
A moça que usa um brinco de pérola reluzente no famoso quadro de Vermeer se volta perpetuamente em nossa direção ou para longe de nós? Pense bem.
Moça Com Brinco de Pérola de Johannes Vermeer c.1665 |
Aperte os olhos com a força que quiser, não há nenhum gancho ligando o ornamento à orelha. Sua própria esfericidade é uma farsa.
Desejamos que o brinco estivesse suspenso na ausência de gravidade a partir dos mais insignificantes apóstrofos brancos. A joia preciosa de Vermeer é uma ilusão de óptica opulenta, que se reflete em nossa própria presença ilusória no mundo.A falta do efeito é vista aqui |
Não é nenhum segredo que Turner escondeu uma lebre correndo no trilho obscuro da locomotiva que se aproxima. O próprio artista chamou atenção para este fato a um menino que visitou a Royal Academy no dia do envernizamento da obra, quando o quadro estava prestes a ser exposto.
Mas como esse pequeno detalhe revela o significado da vasta reflexão de Turner sobre a tecnologia invasiva? Por que ele se sentiu obrigado a apontar isso?
Chuva, Vapor e Velocidade de JMW Turner de 1844 |
Desde a antiguidade, a lebre simboliza o renascimento e a esperança. Os visitantes que viram a pintura quando a mesma foi exibida pela primeira vez em 1844, ainda estavam sob impacto emocional do horror de uma tragédia ocorrida na véspera de Natal dois anos e meio antes, quando um trem descarrilou a 16 quilômetros da ponte retratada na pintura — um acidente que matou nove passageiros da terceira classe e mutilou outros 16.
A cabeça do coelho e seu grande olho |
Ao ser diminuto no símbolo da lebre, um artista famoso por ser grandioso transforma sua pintura em uma pungente homenagem e reflexão sobre a fragilidade da vida.
Um banho em Asnières de Georges Seurat de 1884
A grande pintura que retrata parisienses desfrutando preguiçosamente a hora de almoço às margens do rio Sena, a primeira obra exibida por Seurat, foi terminada inicialmente em 1884. Ela foi retocada pelo artista anos mais tarde, depois que ele começou a aperfeiçoar sua técnica de aplicação de pequenos pontos distintos que são coerentes ao olhar do observador quando vistos à distância.
Um banho em Asnières de Georges Seurat de 1884 |
Na distância nebulosa da pintura de Seurat, uma fileira de chaminés se ergue de uma fábrica que produzia velas, de acordo com a inovação industrial pela qual Chevreul também era responsável.
Estas chaminés, que mais parecem pincéis pintando a obra à
existência, são um tributo ao pensador, sem o qual a visão resplandecente de
Seurat não teria sido possível.
As chaminés representadas ao fundo |
O Grito de Edvard Munch de 1893
Há muito se supõe que a figura de O Grito, de Edvard Munch — um arquétipo de angústia que ainda povoa o imaginário popular mais de um século depois de ter sido criado — deve sobretudo a expressão de pavor congelada no rosto a uma múmia peruana que o artista encontrou na Exposição Universal de 1889 em Paris.
O Grito de Edvard Munch de 1893 muitas pinturas munch foram feitas com a técnica de têmpera com ovo inclusive este aqui, que possui hoje quatro versões conhecidas |
Mas Munch era um artista mais preocupado com o futuro do que com o passado, e especialmente ansioso em relação ao ritmo da tecnologia.
Certamente, ele deve ter ficado ainda mais profundamente impressionado com o espetáculo de tirar o fôlego de uma enorme lâmpada incandescente repleta de 20 mil lâmpadas menores que se elevava em um pedestal sobre o pavilhão na mesma exposição.
Thomas Edison foi um dos mais prolíficos inventores de seu tempo, em 1879, Edison criou a lâmpada incandescente, seu primeiro invento comercialmente viável. |
Um tributo às ideias de Thomas Edison, a escultura se erguia como um deus cristalino anunciando uma nova idolatria, acionando um interruptor na mente de Munch. Os contornos do rosto de O Grito refletem com extraordinária precisão a mandíbula caída e o crânio bulboso do assustador totem elétrico de Edison.
O beijo de Gustav Klimt 1907
Sem dúvida o amor e a paixão estão no extremo oposto dos longos jalecos brancos e lâminas para microscópios de testes científicos. Não de acordo com a pintura O Beijo, de Gustav Klimt.
O beijo de Gustav Klimt 1907 |
No ano em que pintou sua obra, Viena efervescia com a linguagem das plaquetas e células sanguíneas, especialmente nos arredores da Universidade de Viena, onde o próprio Klimt fora convidado, anos antes, a criar pinturas baseadas em temas médicos.
Karl Landsteiner, um imunologista pioneiro da universidade (o primeiro cientista a distinguir os grupos sanguíneos) estava trabalhando duro para fazer as transfusões de sangue serem bem-sucedidas.
Olhe mais de perto a curiosa estampa do vestido da mulher na pintura de Klimt e, de repente, você constata o que são: placas de Petri pulsando com células, como se o artista nos tivesse oferecido uma tomografia da sua alma. O Beijo é a biópsia luminosa do amor eterno de Klimt.
Lâminas de microscópio, pequenas placas de vidro que contém o material a ser observado, os vidros são sobrepostos e o material fica no centro comprimido pelas lâminas. |
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