quarta-feira, junho 24, 2020

O filme A Matadeira

A Matadeira

O filme A Matadeira começa de forma assustadora com as vozes sóbrias e pautadas, o soldado inglês parece uma assombração, uma caricatura, melhor, um soldadinho de chumbo. Nesse início pode-se perceber a forma cenográfica com que foi composta toda sequência, a música e os sons levam o espectador à imersão que culmina com a apresentação do monstruoso canhão ao grupo de soldados perplexos.

O recurso de iniciar a apresentação do produtor do filme, com a cena dos soldados simulando um diorama e o nome do filme logo em seguida, é uma referência à literatura onde se observa a introdução ou o prefácio, nome do título e o início da história - primeiro capítulo como numa estrutura de um livro impresso. Logo em seguida a cena da entrada do canhão no espaço cênico ultra colorido e com a tomada na altura dos olhos dos atores te leva para dentro da cena fazendo parte do grupo, a única tomada faz com que o grupo de atores alce um arco no espaço cenográfico, em direção a um ponto no nada, uma paisagem toda igual na forma e na cor que é característico das paisagens do sertão. A lamúria da voz feminina iniciando o relato do Filme Documentário contrasta com as explicações esquizofrênicas e afetadas do intelectual estilizado todo paramentado, que segue com uma debochada sequência de stop motions, "... um dia infelizmente a guerra acaba..." melhor frase dessa sequência na estrutura de colagens desse Documentário, inventando cenas mescladas com reais de épocas diferentes para contar fatos reais, e que traz da literatura Os Sertões de Euclides da Cunha o relato do canhão apelidado de a Matadeira, e pasme, era somente um único canhão e que deu um único tiro, fora fundido pela siderúrgica alemã Krupp ainda hoje em atividade no Brasil.

A história contada de Antônio Conselheiro é tragicômica, cômica por conta das piadinhas tanto feitas com imagens como com palavras e trágica pela história em si, filmada quase toda em ambiente cênico que dá um refresco às sequências irritantes e incômodas que a precedem. É incrível como a ficção pode levar a se acreditar que aquelas cenas são reais, ainda mais encenadas pelo premiado ator Pedro Cardoso e sem sossego logo em seguida se apresenta aquelas crianças todas descendentes de escravos mortas, provavelmente em chacinas, em época recente, que sem referência ficam imagens atemporais, aliás, todo documentário fica alternando entre imagens reais e cenográficas dando essa impressão de atemporalidade, culminando com a fala marxista de Antônio Conselheiro na frente de vários televisores de tubo, fake total.
As cenas da ocupação com o tiro de canhão, da invasão dos soldados com gestos cênicos, dos camponeses correndo para o front culminam com uma alusão ao alagamento da área de Canudos por ocasião da construção da mega hidrelétrica de Paulo Afonso onde no mesmo lugar curiosamente Conselheiro profetizou que o serão iria virar mar, aquela santaiada se afogando em sangue.
Elementos do produto final:

Produção executiva, roteiro, direção de fotografia, direção de arte, música inédita, direção de produção, montagem e assistente de direção.

Dados Técnicos:
Produzido em película 16 mm colorida com som óptico monofônico.
Duração: 16 minutos.
Ano da apresentação: 1994.
Diretor: Jorge Furtado.
Produção: Casa de Cinema de Porto Alegre.
Música: Quem ouvir e não aprender de Leo Henkin.

Elenco:
Pedro Cardoso: Professor, Prudente de Morais, Sertanejo, Antônio Conselheiro, Pastor.
Débora Finocchiaro: Brasilina.
Atônio Carlos Falcão: Maria Xana.
Carlos Cunha Filho: Locução masculina.
Lisa Becker: Locução feminina.
73 figurantes
Prêmios recebidos por inscrição:

-Festival de Gramado (1994)
-Melhor direção de arte
-Melhor direção (curta gaúcho)
-Melhor fotografia (curta gaúcho)
-Rio Cine Festival (1994)
-Melhor ator (Pedro Cardoso)
-Prêmio Contribuição à Linguagem Cinematográfica

A Casa de Cinema de Porto Alegre é uma produtora de cinema independente, em forma de cooperativa, onde um dos sócios é o diretor cinematográfico Jorge Furtado que além de publicar livros foi premiado em vários festivais ao redor do mundo desde 1986, entre eles os festivais de Havana, Grande Prêmio Cinema Brasil, Festival de Cinema de Miami, Festival Internacional de Punta del Este, Prêmio Cine Ceará, Festival de Cinema Brasileiro de Paris, Festival de Gramado, Festival de Berlim.

Em concordância o ator Pedro Cardoso foi indicado ao Emmy Internacional de Melhor Ator durante 13 anos consecutivos, além, de outros prêmios e indicações.

Haja dinheiro, como escreve Flávia Cesarino “é o níquel que alimenta a indústria dos primórdios do cinema” hoje não mudou nada, muito pelo contrário, só se tornou mais sofisticado e diversificado, esse filme em especial foi produzido em película com som embutido em forma gráfica, podendo ser exibido em um projetor caseiro de rolo, em 1994 já existiam os cassetes de VHS e BETAMAX, podendo ser exibidos em escolas e para grandes grupos de estudantes, de que a meu ver é a fatia de mercado que esse tipo de filme almeja desfrutar, de forma eterna, por se parecer atemporal, como no Documentário Ilha das Flores do mesmo diretor, que é muito atual, e que possui uma crítica feroz o contra curta Ilha das Flores Depois que a Sessão Acabou de Girodano Tronco, faz com que A Matadeira se apresente como um filme ficcional cômico direcionado para um público juvenil que explora vários elementos da gramática cinematográfica para prender o expectador ao raciocínio do enredo.

Eduardo Ramos de Oliveira

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